8 de fev. de 2009

Capitulo 6

Amanhece em Aqui - Perto. Os galos sopram as boas novas pelos quatro cantos da cidade, acompanhados pela “simpática” temperatura de 40° graus da cidade. Zé doca, como de trato, já se encontrava nas terras “Bavarianas”. Ali, em pé, meio inquieto, ele observa os cavalos desfilarem pelo extenso e zeloso curral. O Curral era de fato amplo, e repleto de cavalos das mais diversas raças.

- Eita que eu to lascado meu Padim Ciço, como é que eu vô bulir com esses bicho ein? – indagava ele.

O rapaz, meio tinhoso, anda pra lá e pra cá, em voltas. De repente ele para, volta-se para a cancela*, abre-a e entra.

Dentro do curral, Zé Doca, um pouco tremulo, encara os animais, meio que em um questionamento recíproco. É como se os cavalos perguntassem a ele “ o que você faz aqui?”. Evidentemente, esta era a mesma pergunta que Zé Doca fazia a si mesmo e quase saiu correndo naquele momento. Mas resistiu, “correr pra quê, já estou aqui” pensou ele, em tom de heroísmo. E ficou. Observava cada cavalo atentamente, nem piscava, e mantinha as mãos na cancela para o caso de algo inesperado acontecer. E ali, olhando os eqüinos de um por um, ele de repente para, e congela o olhar, ao mesmo tempo em que esboçava um modesto sorriso no rosto. O jovem rapaz encontrou um cavalo que destacava-se entre os demais, por ser um pouco menor que todos os outros. Era um Mangalarga Marchador, cavalo de porte médio, ágil, que tem como características a sua estrutura forte e bem proporcionada, uma expressão vigorosa e sadia, visualmente leve na aparência, pele fina e lisa, pelos finos, lisos e sedosos, temperamento ativo e (quase sempre) dócil. Este, que encantou Zé Doca, no entanto, apesar de todas as características autenticas que possuía da raça, estava um pouco abaixo da média de altura da raça, medindo pouco mais de uma metragem. Meio desconfiado, o rapaz foi aproximando-se do animal, que estava cabisbaixo, próximo ao bebedouro. Paulatinamente ele ia, passo após passo, ficando cada vez mais perto. Porém, mesmo com toda perspicácia do jovem, o animal notou sua presença “ameaçadora”, e, pois se a cavalgar. Zé Doca, sem hesitar, puxou o rabo do bicho, fazendo força contraria, numa tentativa de conter o animal. Indubitavelmente, era uma cena estranha de se ver: O animal tentando fugir, e Zé Doca segurando-o como podia.

Aquela confusão toda espantou os outros eqüinos, que correram para a outra banda do curral. Zé Doca, insistia, puxava o cavalo pra perto da cancela, e tentou abri-la, mas o animal esboçou reação e puxou-lhe de volta. O puxa-puxa perdurou por quase um minuto e meio, até que Zé Doca, já exausto, conseguiu puxar o animal e abrir a cancela. Porém, nesta hora, o jovem desleixou, por achar que já tinha vencido a batalha, e naquele momento, o eqüino furioso, deu-lhe um coice bem na “boca” do estômago e voltou para o curral, como se nada tivesse acontecido.

Evidentemente, algo aconteceu. O coice que Zé Doca tinha levado era de dar pena. Tomado pela imensa dor, o rapaz berrou tão alto que um passageiro de um avião que sobrevoava Teresina, a centenas de quilômetros dali, escutou. respirou fundo, desembaçou a vista e olhou para o animal. Enquanto recuperava o fôlego pôde perceber uma corda encostada á um pé de caju velho, próximo a cancela. Os demais animais, ao notarem a porteira aberta, saíram em disparada. O jovem, assustado, cansado, dolorido e sem poder fazer nada, apenas observava-os saindo, um por um. Foi então que, tomado por um súbito medo - em parte dos animais, e em outra parte (maior ainda) por saber que Seu Antunes não ia achar legal a idéia de ver seus cavalos pastando por ai – meio que desesperado, o garoto teve uma idéia. Correu até o pé de caju, pegou a corda e, com sua habilidade de menino sofrido do sertão, fez um autêntico laço. Os animais passavam na medida em que ele rodava a corda para ganhar impulso, observando-os, até que o ultimo passou e ele, com a mesmo precisão de um super computador da NASA, jogou o laço. Certeiro.

- Blamm - fez o barulho do eqüino ao cair no chão.

Era o Mangalarga, o mesmo que lhe dera um coice há pouco; estava caído. Zé doca aproximou-se e agachou-se cautelosamente ao lado do animal, tomando cuidado para não levar outra pancada. Ergueu a mão direita em direção ao bicho, que murmurava desconfiado, ainda imóvel. Depois de muito hesitar, o rapaz o pôs a mão na cabeça do eqüino amigavelmente, como quem pedisse por um acordo de paz.

- ò seu bicho, seguinte, nos vai ter que ser amigo senão sô Antunes me corta as tripas tu entende?

O cavalo parece que havia captado a mensagem. Levantou-se e ficou parado ao lado do jovem. Entreolharam-se um pouco, enquanto Zé Doca carinhosamente alisava o animal.

- Ó seu bicho, leve a mal não viu, mas vo ter que te bota ali na gaiola de volta, pra mó de eu ir atrás dos teus amigo porque se o véi chega aqui e num vê ali guardado, tenho até pena dos meus côro, e tu tem que ter pena de eu também já que nos somo amigo visse?

Falando isso, puxou o animal pela corda em direção ao curral, agora vazio. O bicho oferecia resistência e por mais que o homem lhe puxasse, permanecia estático.

- Eita que ta com a gota! Vamo , se buli daí homi, se avexe!

Mas nada adiantava os esforços do pobre; o animal continuava parado. Zé Doca então se aproximou e firmou-se de costas para o cavalo dando “tapinhas” na cabeça, numa tentativa de animá-lo.

- Nós tem pouco tempo, me ajude ai que eu te trago uma raçãozinha arretada mais tarde, pode confiar, em nome de meu Padim do Juazeiro.

Evidentemente, Zé Doca estava em um monólogo, e ele sabia disso. Animais não falam! Isso é um fato. Mas naquele momento, ali, nas terras do Sr. Antunes, encostado ao cavalo, ele não esperava respostas. Queria apenas que por (quem sabe) um milagre divino, o animal captasse a mensagem e agisse conforme o dito.

Desapontado, o jovem ficou ali encostado ao animal, com um semblante triste, imaginando o que iria lhe acontecer se o velho chegasse ali naquele momento.

Passado dois minutos de inteiro silencio, o animal mexeu levemente a pata direita frontal, e de repente, todos aqueles pensamentos ruins que passavam pela cabeça do jovem desapareceram.

- Isso campeão! Vamo simbora. – disse com um largo sorriso no rosto.

Mas o cavalo, que não sabia falar coitado, não estava querendo sair dali. Era outra coisa. Aquele leve movimento que ele fez com a pata direita, era uma mensagem, que não foi entendida pelo jovem, ou o foi, de maneira errada. O animal então fez o inesperado: defecou bem ali.

A cena chocou o rapaz. Não pelo fato do animal ter defecado, mas por que o fez bem ali.

Podemos dizer que uma das poucas qualidades conhecidas do velho Antunes era o fato de ele ser asseado. Gosta de manter tudo limpo; sua casa, suas roupas, seus bens e principalmente, suas terras. O velho tinha um zelo fora do comum por aquelas terras, e Zé Doca sabia disso, e sabia também que se o velho chegasse ali naquele momento ele estaria bem encrencado.

A lei de Murphy e o adágio popular nos ensinam que não há nada tão ruim que não possa piorar. os cidadãos de Aqui - Perto desconhecem essa expressão, mas dentro da riquíssima cultura AquiPertense há uma variante para este ditado, que poderia ser dita ao jovem naquele momento: “Tá lascado? Te vira peão!”

Peço perdão, caro leitor, pelos termos usados. mas não sejamos hipócritas, oras, ele estava lascado mesmo, e sabia disso. Aliás, pensava que sabia porque na verdade sua atual situação era bem pior do que ele mesmo achava que fosse.

- Ai meu Padim, quê que eu faço agora ein?

Ali parado, coçando a cabeça, percebeu o sol já bastante alto. O velho poderia chegar a qualquer momento.

O odor já tomava conta do local. O vento espalhava-o rapidamente. Zé Doca então suspirou bem forte, tampou o nariz com a gola da sua camisa surrada, agachou-se próximo ao animal, enfiou as mãos no chão de areia, e pôs-se a enterrar o cocô.

- Eita desgraça da gota, to lascado, eu to na merda – cantava ele, com um semblante meio apavorado.

E ali ficou executando o serviço com uma agilidade fora do comum.

De repente uma voz:

- Mas que diacho ta acontecendo aqui?

Era o velho Antunes. Ao seu lado esquerdo estava sua filha Maria Clara, que segurava um guarda-chuva com a mão esquerda. Assustada com a cena, a menina deixou o objeto cair. O velho faiscava. Estava muito irritado, ajeitando as mangas da camisa, esperando por uma resposta do jovem.