24 de set. de 2007

Capitulo 5

Já era noite em Aqui – Perto. O sol havia se recolhido. No seu lugar, surgiu timidamente a ingênua lua, com uma aparência meio cansada, exatamente igual a um enfermo que espera desconfortavelmente, numa fila quilometrica, receber atendimento em um hospital público. O céu estava estrelado, sem nenhuma nuvem ocultando-lhe a beleza. O jovem Zé Doca estava deitado no banco da praça, onde passara todo o dia meditando sobre sua vida medíocre, e animava-se muito ao lembrar que ao menos ainda tinha vida para meditar. Mas apesar de ter escapado de uma tragédia há apenas algumas horas, o jovem não parecia muito feliz. Na verdade esse era o terceiro dia mais infeliz da sua vida. O segundo foi quando seus pais morreram. O primeiro conheceremos em alguns capítulos.
O rapaz estava ababelado e inquieto. Levantou, sentou. Levantou e sentou novamente. Depois levantou e deu um chute no banco. Evidentemente o banco de concreto da praça não sentiu nada, mas Zé Doca sim e berrou sem cerimônias. Olhou para a lua, constatou que era tarde, e decidiu voltar pra casa.
- Eu tô lascado! Eu tô lascado! – dizia ele, em ritmo de musica, seguindo ladeira abaixo.
Depois de nada menos que duzentos e vinte e cinco enfadonhas repetições da frase citada, Zé Doca havia finalmente chegado ao seu barraco e por um instante animou-se ao lembrar que pelo menos ainda o tinha. Mas logo a tristeza o abateu novamente. Demorou um instante e bateu na porta. Sua avó veio abrir. O rapaz entrou sem falar nada, e como não era costume Zé Doca chegar em casa calado, a velha logo percebeu que algo o preocupava.
- Ô meu filho! O que você tem? – perguntou a velha ainda fechando a porta.
- Co- como assim? Não tenho nada vó. – disse o rapaz de costas para a velha.
- Não? E porque você ta tão triste assim?
- E quem disse que eu tô triste? Eu tô é com sono, só isso. Vou tratar de dormir logo.
- Num precisa mentir pra mim não filho.
- Mas eu num tô mentindo não vó.
- Eu ouvi sua conversa com o Sr. Antunes.
- Ouviu o que? Não acredito... – disse ele virando-se para a velha.
- Ouvi e tô muito chateada. Como é que você foi pedir dinheiro justo pra esse homem meu filho? Você sabe que esses Bavarianos são gente perigosa.
- Ô vó, eu pedi pra todo mundo na cidade, mas ninguém quis me emprestar o dinheiro. Daí foi o jeito pedir pro velho mesmo. Eu na ia deixar a senhora morrer né?
- Meu filho, você devia ter me deixado morrer mesmo. Já estou velha. Já vivi o que tinha que viver.
- Num fala besteira vó. Se a senhora morresse, eu morreria também. Não ia agüentar. – disse o rapaz encostando-se numa cadeira.
- Ô meu filho venha cá me dá um abraço. – falou a velha
O rapaz levantou-se e foi para os braços da velha.
- Bem, pelo menos o problema está resolvido não é? – perguntou a velha com um leve sorriso no rosto.
- Resolvido mesmo não está não...
- Ôxenti! Mas você num fez um acordo com o velho? Você não vai dar aulas pra ela para pagar a divida?
- É sim. Mas ai que ta um outro problema.
- Problema? Que problema? – indagou a velha, com um certo ar de preocupação, que havia substituído o sorriso que tinha no rosto.
- Eu não entendo nada de hipismo – disse o rapaz, abraçando a avó mais forte ainda.
E fez-se um silêncio doloroso.

7 de set. de 2007

Capitulo 4

A charrete cruzava as ruas de Aqui – Perto a todo vapor. Alcançava uma velocidade espantosa, quase que contrariando as leis da física. Mas naquele momento, sentado no confortável banco daquela charrete, o Sr. Antunes não estava dando a mínima para as leis da física. Queria mesmo era chegar o mais rápido possível á fazenda para ver sua amada filha. Já contavam seis meses desde a ultima vez.
A fazenda dos Bavarianos ficava distante alguns quilômetros da cidade. Uns trinta minutos de charrete até lá, mas na velocidade que iam não passaria de dez. Nem o capanga que ia sozinho no cavalo conseguiu acompanhá-los. A cada trecho percorrido o velho parecia nitidamente mais nervoso. Seu corpo todo estava trêmulo. Não parava de roer as unhas das mãos.
- Mais rápido! Mais rápido! Põe essa droga de cavalo pra correr homem! – gritava ele ao charreteiro.
Petrônio e Potrinio estavam timidamente calados, admirando pela janela a paisagem que os seguia. Haviam atravessado a cidade – isso levou pouco mais de trinta segundos -, passavam agora por vários terrenos cercados e aparentemente desabitados. Entre a vegetação seca da caatinga ainda sobreviviam algumas arvores verdes. Mais a frente, Petrônio observou um grupo de urubus destroçarem um pequeno animal morto, cena comum na região. Seu Antunes nem se deu conta do mal cheiro que os cobria. Parecia que ele não estava ali.
A charrete fez uma ultima curva. Agora estavam na estrada que levava á fazenda do velho. Era um longo trecho plano. Parecia uma pista de pouso de aviões, não fosse a areia no solo. O cavalo demonstrava sinais de cansaço, tinha dificuldades em respirar, e começou a diminuir a velocidade. Nem as chicotadas que recebia faziam-lhe recuperar o ritmo. Estava no seu limite.
Passaram por um cemitério improvisado na beira da estrada. Seu Antunes que sempre se benze ao passar por aqui, desta vez não o fez. Havia perdido completamente os sentidos. Só veio demonstrar sinais de recuperação quando avistou no horizonte suas terras.
Os incontáveis hectares de terras da fazenda dos Bavarianos estendia-se além-vista. A área é tão grande que gastou-se mais de um ano para cercá-la inteira.
A charrete parou em frente ao portão que dá acesso à fazenda. Em seguida, dois criados vieram e abriram-no. O portão era enormemente alto, gradeado e com alguns detalhes medievais, semelhante aos encontrados nos castelos europeus. Estava muito enferrujado devido ao sol e a idade. Ao lado do portão havia uma enorme placa de madeira onde estava escrito em cores vivas e cintilantes o nome “Fazenda dos Bavarianos!”.
A charrete adentrou as terras da fazenda vagarosamente. Passaram pela casa do criado que ficava a beira da pista, na entrada da fazenda. Depois avistaram alguns milhares de bovinos que andavam livres pelo pasto. Eram mais de duas mil cabeças de gado dispersas pelas extensas terras da fazenda. A medida que a charrete avançava, a paisagem deserta recebia timidamente alguns tons verdes. Era possível ver algumas rosas resistirem entre os capins no solo. A essa altura Seu Antunes já estava um pouco relaxado e ficou mais ainda quando avistou o imponente casarão da fazenda.
A charrete contornou a linda fonte de água jorrante que embelezava a entrada da mansão e parou próximo a escadaria de acesso as dependências. O casarão era meio velho, mas a estrutura permanecia divina, como se o tempo não lhe tivesse afetado em nada. A arquitetura lembrava a idade média e o pátio dava um ar romanesco à mansão. Era tudo perfeitamente arranjado, como as peças de um quebra-cabeça. Uma obra de arte perdida nas desajeitadas terras Piauienses.
O charreteiro abre a porta. Petrônio desce rapidamente. Seu Antunes respira fundo, aperta alguns botões da sua camisa e sai. Petrônio vem logo em seguida. O velho ergue a cabeça e passou a vista ao seu redor num ângulo de cento e oitenta graus. Percebeu que havia um carro estacionado ali no pátio e ficou muito intrigado. Primeiro pensou que fosse de algum amigo da família, mas logo lembrou que a família não tinha amigos. Depois pensou que fosse sua querida filha, mas daí lembrou que ela não sabia dirigir. E preferiu não pensar mais. Aprumou o chapéu ligeiramente torto na sua cabeça e subiu as escadarias rapidamente atravessando a área de lazer. Agora estava diante da porta que dava acesso as dependências da casa. Era uma enorme porta dupla de madeira. O velho respirou fundo novamente. Os dois capangas abriram a porta, cada um de um lado, em perfeita harmonia. O velho ergueu levemente a cabeça. Seus olhos percorreram toda a sala. Haviam dois enormes sofás estrategicamente posicionados no centro. Haviam também quatro cadeiras devidamente ocupadas. Na primeira estava muito confortavelmente Dona Isaura, mãe do velho carrasco. Ao seu lado esquerdo estava não menos confortável a sua neta, a filha do Sr. Antunes. Os dois se entreolharam e foram invadidos por um alvoroço de felicidade no qual nem a face rude do velho conseguiu esconder.
- Filha! – exclamou
- Pai!
A moça se levantou cuidadosamente para que seu vestido de seda não subisse além dos joelhos e correu em direção ao velho que a recebeu com um abraço paternal.
A jovem Maria Clara Bavariano tinha vinte e um anos completos, e uma beleza de fazer inveja a qualquer Miss Mundo. Sua pele sensível, seu rosto angelical e seu corpo de curvas precisas fazem qualquer homem perder a cabeça. De fato, foi isso o que aconteceu quando certa vez um rapaz que atravessava uma avenida movimentada na Capital ficou paralisado no meio da pista ao ver a linda moça em uma parada de ônibus próxima. Como conseqüência, um caminhão atropelou o rapaz triturando-lhe e vários pedaços. A cabeça foi para aos pés da moça, que desmaiou na mesma hora. Esse fato não interessa à nossa história.
Maria Clara é uma menina muito meiga e delicada, oposto do seu pai. Na verdade a única coisa que têm em comum é o apego pela natureza. Ela adora o campo, o ar fresco, os animais. Fazia tempo desde a ultima vez que pisara em terras Aquipertenses. Não que a moça não gostasse de visitar a cidade, de ver a família. É que devido ao seu curso de medicina na Capital, ela só pode visitar a cidade quando tem férias.
Naquele momento, pai e filha pareciam duas crianças. Estavam matando saudades de muito tempo que não se viam.
- Minha filha, como você ta magrinha. Num tem comido direito não é?
- Ah! É que to fazendo regime pai. Faz três dias só. Nem dá pra notar diferença... – disse a moça olhando a si mesma.
- Ê filha, essa coisa de regime você sabe que eu sou contra. E depois num quero lhe ver seca como as moças daqui não.
- Eita pai, que exagero. – retrucou.
- Exagero nada! Se você não para com esse tal regime vai ficar tão magra que vai passar em buraco de agulha.
A moça soltou um leve sorriso. Por alguns segundos fez-se um silêncio.
- E então filha, como está às coisas na Capital? – perguntou o velho.
- Uma maravilha, não fosse aquele clima horroroso e a poluição provocada pelas industrias e carros...
- Pois é. Por isso que não me dou com cidade grande...
- Pois é... – repetiu a moça.
- E o curso?
- Ótimo. Agora só faltam mais dois anos não é? Como o tempo passa rápido...
- Ô se passa... – retrucou o velho meio introspectivo.
Por alguns segundos fez-se novamente silêncio. O velho então desviou os olhos para as duas pessoas que estavam no outro canto da sala. Um deles era o Dr. Armando, médico da família, que parecia muito ocupado com uma xícara de café. A outra pessoa ele não reconheceu.
- E aquele rapaz ali filha?... – perguntou lentamente, tomando cuidado para que ele não escutasse.
A moça então olhou pro velho com um sorriso contagioso no rosto.
- Que cabeça a minha. Já ia me esquecendo – disse a moça fazendo sinal para que o rapaz se levantasse – Esse é o Eduardo.
Seu Antunes cumprimentou-lhe com um aperto de mão.
- Eduardo Afonso de Sá. Muito honrado senhor – disse o rapaz.
- Muito Prazer. Seja bem vindo jovem. Vou mandar lhe preparar um quarto.
A moça e o rapaz trocaram olhares timidos.
- Odelina! Venha aqui! - gritou o velho.
Atenta aos gritos do patrão, Odelina, uma das empregadas da casa, surgiu rapidamente na sala.
- Sim sinhô patrão? - disse ela.
- Odelina, quero que você prepare um quarto pra esse rapaz aqui, o motorista da minha filha. Ele deve está muito cansado.
Maria Clara olhou para o rapaz mais uma vez e em seguida olhou pro velho meio cabisbaixa.
- É... Pai... o Eduardo não é meu motorista não...
- Não minha filha?
- Não...
O velho então olhou para a moça fixamente, ajeitando o bigode.
- E quem é esse moço minha filha? - perguntou já com a voz meio trêmula, prevendo o pior.
- É o meu noivo!