30 de ago. de 2007

Capitulo 3

Manoel Alberôncio Leomar Miranda Clementino Albuquerque Furtado da Silva Pereira, o vulgo Zé Doca, é um ariano de vinte e quatro anos. Seu extenso nome foi dado por seu Pai em homenagem a alguns de seus irmãos - evidentemente a homenagem só foi prestada aos irmãos que ele mais tinha apreço, já que ao todo eram trinta e dois. Sabe como é né? Não tinha televisão... Nada pra fazer...
Zé Doca é filho de um casal de lavradores naturais da cidade de Logo em Seguida, que fica quilômetros depois de Aqui – Perto, bem próxima do município de Daqui Não Passa. Alguns cientistas e especialistas em Anatomia, depois de longos anos de pesquisa, concluíram em unanimidade que Daqui Não Passa é realmente o c... do mundo.
No final da década de cinqüenta o ainda casal de enamorados Jucélio Amaral da Silva e Filopência Pereira atraídos pela proposta de terras distribuídas gratuitamente pelos Bavarianos, migraram para Aqui – Perto.
Jucélio e Filopência casaram-se logo ao chegar na cidade. Na época ele tinha vinte e seis anos, e ela treze. Pouco tempo depois, com a ajuda de amigos, construíram uma casa e, logo em seguida a mãe de Jucélio veio morar com o casal. Dois anos depois Zé Doca nasceu.
Quando Zé Doca nasceu ninguém o esperava. Na verdade ninguém sabia que Filopência estava grávida. Nem ela mesma sabia. Um fato curioso é que durante toda a gestação a sua barriga não aumentou um centímetro sequer. E foi num domingo pela manhã, quando Filopência voltava do rio para sua casa com uma lata d’água na cabeça que Zé Doca nasceu.Não houve parto. Zé Doca simplesmente “saiu” do corpo de Filopência e rolou pelo chão. A principio ela não percebeu nada. Quando foi se dá conta já tinha arrastado o menino por pelo menos dez metros. Filopência olhou para o chão e viu aquela coisa esquizofrênica; levou um susto, não se deu conta que era uma criança. Foi então que ela viu o cordão umbilical que os ligava e foi tomada por uma súbita emoção. Rapidamente jogou a lata d’água no chão, pegou o menino e correu para avisar ao marido. Jucélio ficou muito intrigado com o fato, e mais ainda com aquela criatura. O menino era muito franzino. A cabeça era desproporcional ao corpo, as orelhas eram mínimas, o nariz mais parecia o focinho de um rato, e os olhos eram tão pequenos que pareciam estarem fechados. Um médico foi chamado, tirou suas medidas. Depois o médico deu-lhe umas palmadas leve na bunda a fim de fazê-lo chorar, mas não foi ouvido nada. Repetiu as palmadas e nada. Então virou o menino e olhou fixamente o seu rosto. A expressão facial da criança era a mesma de qualquer pessoa que estivesse chorando, mas não era possível ouvir um ruído que confirmasse o fato. O doutor encostou levemente sua orelha á boca do menino e percebeu alguns sons desconsertados. Ufa! Que alivio! O menino não era mudo, apenas não tinha força suficiente para chorar em bom tom.
Jucélio e Filopência agora tinham um filho. No começo Jucélio não ficou muito feliz com isso. “É mais uma boca pra sustentar!” dizia ele, mas com o tempo passou a gostar do garoto. Como seus pais trabalhavam o dia inteiro na roça, Dona Rita, avó do garoto, eram quem cuidava dele. Nunca foi amamentado, vivia a base de mingau de farinha. Dona Rita achava muito complicado o nome do garoto, toda hora lhe arranjava um diferente. Ela então resolveu dar-lhe um nome mais simples, mais fácil de falar. Escolheu o nome Zé Doca ao folhear algumas páginas do livro 100 Lugares que você NÃO deve visitar quando estiver no Maranhão.
Aos sete anos, o menino deu seus primeiros passos. A maior dificuldade era conseguir se equilibrar naquelas pernas finas que pareciam dois alfinetes. De repente, o menino tranqüilo e sereno transformou-se numa criatura impulsiva. Andava pela casa derrubando tudo que encontrava. A velha coitada; passava o dia tentando arrumar a bagunça do menino, em vão é claro. Um ano depois o menino pronunciou suas primeiras palavras. Foi um dia muito emocionante para toda a família. Era uma noite de domingo...
- Vamos filho, repita comigo: Papai! - disse Jucélio sentado na sala.
O menino nem abria a boca.
- Papai, diga: Pa- pa – i! - insistiu Jucélio.
O menino continuava sem dizer nada.
- É fácil vamos, é só dizer Papai ó: Pa – pa – i. – falou Jucélio já perdendo a paciência.
O menino não dizia nada. Nem parecia estar ali.
Jucélio então suspendeu o menino á altura dos seus olhos e proclamou:
- Vamos menino burro, diga Papai!
O menino então encarou-o por um instante e depois soletrou bem alto:
- Me sol-ta ba-i-to-la!
No mesmo ano que aprendeu a falar, Zé Doca foi matriculado numa escolinha do município. O menino era um peste. Estava sempre metido em confusões. Quase que diariamente seus pais recebiam uma reclamação formal da diretora intimando-os a comparecer na escola. A maioria das confusões nas quais Zé Doca se metia diziam respeito a algum apelido que lhe era dado por seus colegas de classe. O que mais o irritava, e o mais frequentemente utilizado pelos seus amigos, era “cabeça de melancia”.Apesar de tudo Zé Doca adorava a escola. Adorava ler, escrever, brincar com os amigos. Era muito feliz ali. E sentiu muito quando foi forçado a largar os estudos ainda na segunda série para trabalhar. Isso devido a morte de seus pais. Jucélio e Filopência foram cruelmente assassinados numa plantação de cana na qual trabalhavam. O crime permanece um mistério. Zé Doca ficou abalado. Dona Rita mais ainda. O rapaz teve então que se virar para sustentar-se e cuidar de Dona Rita. Zé Doca era um rapaz muito astucioso, sempre encontrava uma maneira de garantir o pão de cada dia. Á noite, quando não estava trabalhando,gostava de freqüentar a praça da cidade onde costumava cogitar sobre a vida, o universo e tudo mais . Foi nessa época que o rapaz teve seu primeiro relacionamento amoroso. Relacionamento este que durou exatamente duas horas. Foi esse o tempo necessário para ele descobrir que a moça trabalhava no cabaré da cidade – evidentemente essa descoberta só deu-se depois que a moça começou a cobrá-lo pelos beijos que tinham trocado. O rapaz ficou muito abalado. Tentou suicidar-se por duas vezes, mas devido aos meios utilizados não obteve êxito. Na primeira tentou enforcar-se amarrando um pedaço de corda podre numa arvore. A corda partiu-se. O galho da arvore também. Na segunda vez tentou afogar-se no rio. Quando estava perdendo o fôlego quase que completamente, de repente, a pouca água que restava no rio, como num passe de mágica, evaporou-se completamente. Mas isso tem uma explicação: era mês de agosto. Aqui – perto é uma cidade de clima bem saudável comparando-se as outras regiões do Piauí. Porém há um mês no ano que a temperatura sobe imensuravelmente. Este mês é tão quente que faz o deserto do Saara em pleno meio dia, parecer com a Rússia. È o mês de agosto. Nesta época do ano é comum vê os cidadãos fritarem ovos na beira da estrada para economizarem a lenha do fogaréu. Zé Doca passou muito tempo, muito tempo mesmo sem relacionar-se com outra mulher. Para ser mais exato, passaram-se três anos até aparecer uma outra mulher na vida do jovem que lhe fizera esquecer a traumatizante experiência antecedente. O nome dela era Izaura. Dona Izaura era uma viúva de cinqüenta e quatro anos e feições nada agradáveis. O namoro gerou muita polêmica na cidade. Diziam as más línguas que Dona Izaura utilizou-se de alguma espécie de macumba para fisgar o coração do jovem, então com dezesseis anos de idade. O namoro já contava seis meses e os dois pareciam estar muito felizes, até que de repente Dona Izaura sumiu da cidade sem deixar nenhum vestígio. Zé Doca traumatizou-se novamente e decidiu não se envolver mais com nenhuma mulher. Chegou a tentar a sorte com algumas cabritinhas que encontrava na beira da estrada, mas se irritava profundamente com os berros que elas davam. O tempo foi passando. O garotinho feio e raquítico havia se tornado um homem forte, bem definido, de feições adequadas. As coisas pareciam estar na mais perfeita ordem na vida de Zé Doca. Não tinha muito dinheiro, mas tinha o suficiente para comer. Porém, há exatamente um mês atrás, Dona Rita foi pega de surpresa por uma doença muito grave. O médico constatou que ela deveria ir à capital para fazer uma cirurgia. Zé Doca ficou desesperado. Não sabia o que fazer. Não tinha dinheiro para bancar as despesas. Recorreu a todos os nobres de Aqui – Perto, mas todos lhe negaram apoio. A essa altura ele já sabia que a única pessoa que podia ajudá-lo era o Sr. Antunes. Após uma luta árdua contra os seus princípios - ele não gostava dos Bavarianos - , Zé Doca procurou Seu Antunes que sem nenhuma burocracia fez-lhe o empréstimo.
E assim seguiu a vida do jovem Zé Doca. Uma pessoa simples, comum, dono de uma história pífia e medíocre. A historia de um personagem sem expressão; insignificante. Uma historia que jamais daria um livro...

Um comentário:

Unknown disse...

To adorando!!
Muuuuito criativo!!
Os primeiros passos com sete anos kkkkkkkk.
Nem a mãe tinha percebido o nascimento kkkkkk.
Muito engraçado!!
Ta cada vez melhor.